O PLANETA DAS MÃES-ROBÔS
Estávamos em 2175.
Muitas coisas tinham mudado na Terra. Tinha-se começado a fazer esqui na Lua, e descobrira-se uma multidão de pequenos planetas desabitados.
Mas, apesar de tais progressos, certas coisas não haviam mudado. As crianças continuavam a fazer birras e os pais a ter crises de nervos. As crianças apanhavam palmadas, eram obrigadas a fazer fichas e recebiam toda a espécie de ralhetes. Mas eis que, algures no universo, um sábio, Gramaticus Cartapus, reflectia no modo de acabar com as palmadas e com os trabalhos de casa… Era o único habitante do asteróide 2024, onde se aborrecia imenso.
“Como atrair as crianças para cá?”, perguntava-se Cartapus, que sentia um enorme desejo de ouvir o seu planeta a ressoar de gritos, de risos e de brincadeiras. Para saber o que mais agradava às crianças, o sábio instalou no seu laboratório um “ecrã de controlo” que analisava os sonhos das crianças da Terra. E esses sonhos eram claros: televisão, gelados, pizzas, jogos de vídeo, nada de castigos, de trabalhos de casa, de peixe cozido, só mimos.
Estava plenamente decidido a eliminar as humilhantes palmadas no traseiro, os aborrecidíssimos trabalhos de casa, as couves, os espinafres e as alfaces, e também as ameaças, os “Olha que só te aviso mais uma vez!”, “Tu vais ver quando o teu pai chegar”, “Mais uma nota dessas e mudas de escola!”…
Para ser franca contigo, Gramaticus Cartapus tinha recebido 2356 palmadas no traseiro – contara-as uma a uma – tinha feito 55000 fichas como castigo e tinha estado por 35 vezes às escuras na despensa, a pão e água, o que explicava bem a sua decisão.
Depois de longos e longos anos de árduo trabalho, Gramaticus Cartapus saiu enfim, de sorriso nos lábios, do seu laboratório. Tinha fabricado uma nova raça de mães e de pais cem por cento electrónicos.
Assim, iria atrair ao seu planeta todas as crianças terráqueas. As mães-robôs eram parecidíssimas com as outras mães, mas com uma postura mais rígida. Não davam palmadas, nem puxões de orelhas, não obrigavam a fazer os trabalhos de casa, não gritavam, não castigavam, não privavam da sobremesa, não proibiam a televisão nem os jogos de vídeo, deixavam comer gelado e chocolates, até mesmo antes das refeições, e não verificavam os trabalhos de casa. Sorriam sempre, davam beijinhos electrónicos e repetiam com uma voz sintética:
— Está bem, meu querido. Estou muito satisfeita contigo! — e o sábio Gramaticus esfregava as mãos de contente.
Quando as mães-robôs foram experimentadas sobre o asteróide, Gramaticus fez publicidade delas nas escolas da Terra:
— Venham morar no asteróide 2024. Ofereço-lhes uma mamã-robô, sempre sorridente,
que nunca ralha!
Ele dava-lhes um código secreto que lhes permitia contactá-lo rapidamente. Foi assim que as crianças, as caprichosas e as que estavam sempre a apanhar palmadas, começaram a povoar o asteróide 2024.
Um dia, Enricus-Brutus, um rapazinho de sete anos, muito desobediente, ficou farto, FARTO da sua mãe, FARTO das fichas da escola, FARTO do peixe cozido, FARTO de escovar os dentes. Marcou o código secreto e de imediato apareceu no seu quarto o sábio Cartapus.
— Anda para o meu asteróide-robô! — disse-lhe. — Lá não há peixe nem favas, nem deitar às oito horas, nem fichas para fazer. Não vais lamentar-te mais!
Enricus-Brutus partiu imediatamente. Ao fim de trinta segundos de viagem (tempo médio para uma viagem interplanetária em 2175), uma mãe electrónica veio recebê-lo a sorrir.
— Dá-me o teu casaco. Estou contente contigo, meu querido. És maravilhoso. Estás com bom aspecto. Como estou contente.
Tinha-lhe preparado a merenda: bolachas recheadas de chocolate, bolo de chocolate e um bom leite com chocolate quente e com sete colheres de açúcar. Enricus-Brutus ficou muito contente. Ainda mais quando a sua nova mãe ligou três televisores ao mesmo tempo, duas consolas de jogos e um computador portátil. Por fim, quando pediu de beber, ela deu-lhe uma enorme garrafa de Coca-Cola. Enricus-Brutus atirou-se para cima do sofá, com as sapatilhas sujas, sem um obrigado e deu um grande arroto por causa da Coca--Cola. Entretanto, a mãe-robô tinha ido para a cozinha para lhe preparar o jantar: mousse de chocolate com gelado de cinco sabores.
A vida no asteróide 2024 reservava todos os dias a Enricus-Brutus surpresas agradáveis. É claro que a escola continuava, mas lá também distribuíam todo o tipo de guloseimas e nunca havia castigos. Enricus-Brutus não tinha pressa nenhuma de voltar para a Terra. E todos os dias, quando ele chegava da escola, a mãe-robô dava-lhe beijos, sempre os mesmos (um na testa, dois nas faces), ligava os três televisores, as duas consolas de jogos, o computador portátil, e ia logo para a cozinha preparar o empadão de mousse de chocolate, leite com chocolate e as pizzas. Quando ele trazia más notas no ditado, ela tinha sempre um sorriso nos lábios.
— Estou muito contente contigo, meu querido — dizia. — Vai brincar com o que quiseres.
Na escola, os professores estavam agora a dar menos 2, menos 3, menos 10 às crianças. Mas, como eram professores-robôs, continuavam a felicitar os alunos:
— Muito bem, Leopoldo, menos 3 é óptimo. Quero ver a tua mãe para lhe propor que passes de ano.
Enricus-Brutus nunca mais se esforçou na escola. Um dia entrou em casa escoltado por um polícia-robô (tinha roubado trinta e três discos numa loja, e quarenta quilos de bombons).
Enricus-Brutus pensou que a mãe ia pô-lo de castigo. Mas ela deu um salto de satisfação.
— É assim mesmo! Estou muito contente contigo!
E, um outro dia, quando Enricus-Brutus chegou da escola com o blusão rasgado, sem sapatos e com os dois olhos negros porque tinha apanhado uma sova de um dos mais velhos, ela olhou-o cheia de orgulho.
— És fantástico! Estou tão contente!
E foi para a cozinha fazer batatas fritas.
As crianças, que se apercebiam de que tudo era rigorosamente igual, deixaram de ir à escola e de fazer fosse o que fosse.
Quando o quarto estava desarrumado, o que acontecia sempre, Enricus-Brutus seguia as instruções de Cartapus: dava um pontapé à sua mãe-robô, para desencadear o programa “limpeza”.
— Obrigada, meu amor — dizia então a sua mãe electrónica. — Por favor, vai ver televisão, enquanto eu arrumo o teu quarto.
Uma vez, Enricus-Brutus chegou a casa à meia-noite, por ter ficado em casa de um amigo a jogar computador.
— Já chegaste, meu amor? — disse ela. — Estou muito contente contigo. Ainda queres ver televisão ou vais já deitar-te?
Enricus-Brutus franziu as sobrancelhas: então ela nem sequer tinha ficado preocupada por sua causa? A sua verdadeira mãe, essa, teria tido uma grande discussão com ele e tê-lo-ia origado a prometer que não repetiria a façanha. Deitou-se, sentindo um ligeiro mal-estar no peito. Muito depressa o mal-estar aumentou. Enricus-Brutus teve uma indigestão de batatas fritas, gelados, gomas, e pizza.
Num dia em que estava com uma grande dor de barriga, foi falar com Cartapus.
— Estou farto — disse Enricus-Brutus. — Sinto-me enjoado, já não consigo engolir nem meia colher de gelado.
O sábio Gramaticus coçou a cabeça: não tinha pensado nos casos de indigestão, mas tentou mudar a programação dos cozinhados. Naquela mesma noite, Enricus-Brutus viu a sua mãe-robô dirigir-se para a cozinha e tirar ingredientes uns atrás dos outros. Bolachas, farinha, trigo, chouriço, queijo, iogurtes, pimenta, sal, tabuleiros, o líquido lava-loiça, guardanapos… E dizia:
— Vamos fazer uma óptima pizza!
Em seguida, correu em direcção a Enricus-Brutus para o meter também a ele na pizza! Enricus-Brutus fugiu para casa do seu amigo Marius, onde a mãe-robô o recebeu:
— Fugiste de casa? Fico muito feliz. Vai ver televisão, que já te trago pizza.
No seu laboratório, Gramaticus Cartapus arrancava os cabelos: por que é que as coisas estavam a correr tão mal? Porque é que as crianças não se sentiam felizes? Porque estavam doentes? A comida não parecia boa para os pequenos terráqueos. Tinham ficado muito gordos, pálidos, sem músculos, e os dentes estavam a ficar-lhes todos pretos.
Consultou o seu “ecrã de controlo”: os sonhos das crianças tinham mudado. Agora queriam feijão verde, carne, peixe cozido, cálcio e proteínas. Queriam deitar-se cedo e escovar os dentes depois de comer.
Cartapus tocou a sirene especial para reunir todas as mães, a fim de as operar com urgência. Quando acordaram, começaram a descascar e a cortar às rodelas tudo o que lhes vinha à mão.
Vocês precisavam de ver o estado do planeta, feito papa, partido em mil bocados! O planeta acabou por explodir: um verdadeiro fogo de artifício-robô! As crianças caíram sobre a Terra, saltaram para os braços das suas verdadeiras mães, saboreando as carícias, que em nada se pareciam com as outras, os seus beijos, que não eram forçosamente um na fronte e dois nas faces, mas também nos cabelos ou no nariz. Ouviu-se então:
— Mamã, ralha comigo quando eu não fizer os trabalhos de casa!
— Arranja-me peixe! E salada!
— Dá-me a escova de dentes!
— Quero deitar-me cedo!
Todas as crianças do asteróide 2024 pediam regras e, portanto, castigos, felicitações sinceras, alguns chocolates mas não em demasia. Já não era possível passarem os dias só a comer chocolate e pizzas, a jogar computador ou game-boy sem fazerem mais nada... o chocolate parece ainda melhor se for comido depois da sopa e do peixe. Foi assim que as mães-robôs desapareceram definitivamente e as mães verdadeiras retomaram funções.
As verdadeiras? Tu bem sabes, são aquelas que são meigas e severas, que têm um olhar que ralha ou que sorri, e dizem: “Tu vais ver”, “Se continuas, mudas de escola” e “Só comes o gelado DEPOIS de teres comido o teu arroz e não antes”…
E foi assim que as birras da noite e as crises de nervos, as crianças desobedientes e as mães severas, continuaram a existir durante longos séculos.
O que aconteceu a Cartapus? Bom, também veio para a Terra… e decidiu nunca mais mexer nas máquinas humanas…
(Tradução e adaptação: Sophie Carquain, Petites histoires pour devenir grand, Paris, Albin Michel, 2003)
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